sábado, 17 de março de 2012
O LIVRE-ARBÍTRIO COMO IDEOLOGIA
Por Vanderlei Maurer de Andrade
Antes de adentrarmos na questão do livre-arbítrio como ideologia é preciso definir e caracterizar o que é ideologia, para isso usarei a abordagem de Marilena Chauí no livro “O que é Ideologia”[1]. Apesar de não compartilhar da visão marxista da autora, ela fez contribuições relevantes nesse livro para esclarecer o tema e precisamos aproveitá-las segundo a instrução bíblica: julgai todas as coisas, retende o que é bom (1 Ts 5:21).
Sugiro a leitura de “O que é Ideologia” para um maior aprofundamento no tema, mas grosso modo, ideologia é um conjunto de ideias que visam mascarar a realidade, por intermédio dela tomamos o falso por verdadeiro e vice-versa, ela é a fabricação de uma história imaginária, uma ilusão, “por ilusão não devemos entender ‘ficção’, ‘fantasia’, ‘invenção gratuita e arbitrária’, ‘erro’, ‘falsidade’, pois com isto suporíamos que há ideologias falsas ou erradas e outras que seriam verdadeiras e corretas. Por ilusão devemos entender: abstração e inversão” (p. 97). Abstração é o conhecimento da realidade tal como ela se oferece à nossa experiência, com algo dado, feito e acabado sem indagar como essa realidade foi concretamente produzida; inversão é o ato de tomar o resultado de um processo como se fosse seu começo (p. 97).
A doutrina do livre-arbítrio se encaixa nessa definição, pois ela visa mascarar a realidade do homem caído — a realidade de que sua vontade é escrava. Todavia, para essa doutrina manter sua coerência racional, como qualquer ideologia, ela tem que pagar um preço.“Esse preço é a existência de ‘brancos’, de ‘lacunas’ ou de ‘silêncios’ que nunca poderão ser preenchidos sob pena de destruir a coerência ideológica. O discurso ideológico é coerente e racional porque entre suas ‘partes’ ou entre suas ‘frases’ há ‘brancos’ ou ‘vazios’ responsáveis pela coerência. Assim, ela é coerente não apesar das lacunas, mas por causa ou graças às lacunas” (p. 114-115). A ideologia é coerente porque não diz tudo e não pode dizer tudo. Se dissesse tudo, quebraria-se por dentro (p. 115). Vejamos quais as lacunas da doutrina, ou teoria do livre-arbítrio em relação à Fé Reformada, tomando por base os cinco pontos expostos por Scott Price, traduzidos por Felipe Sabino de Araújo Neto.
1) O adepto da teoria do “livre-arbítrio” crê que o homem NÃO é totalmente depravado e que ele possui plena capacidade para ir a Cristo ao usar seu livre-arbítrio, e que Deus aceitará essa pessoa por causa do exercício dessas habilidades. Note: Dizer que o homem NÃO é totalmente depravado significa afirmar que ele possui certa justiça própria digna de merecer algo da parte de Deus;
2) O adepto da teoria do “livre-arbítrio” crê que Deus o escolhe baseado na observação futura do uso do livre-arbítrio — caso o homem escolha crer —, portanto , Deus elege um homem para a salvação sob a condição de que o livre-arbítrio previsto dessa pessoa escolha a Deus. Note: Dizer que a eleição é condicionada de alguma forma pelo homem é promover a salvação pelas obras, que é uma coisa má e autojustificadora;
3) O adepto da teoria do “livre-arbítrio” crê que Cristo morreu universalmente por toda humanidade, sem exceção, e que depende do livre-arbítrio do homem tornar a morte de Cristo eficaz. Note: Dizer que a morte de Cristo NÃO é o diferencial entre céu e inferno é competir com o estabelecimento e a obra da justiça que Cristo obteve mediante sua vida e morte;
4) O adepto da teoria do “livre-arbítrio” crê que o homem pode resistir à vontade de Deus a qualquer hora mediante vontade própria. Note: Dizer que o pecador pode resistir ao chamado eficaz, interno e atrativo do Espírito Santo de Deus — o mesmo poder que levantou Cristo dos mortos — é dizer que o homem possui mais poder que o próprio Deus;
5) O adepto da teoria do “livre-arbítrio” crê ser capaz, mediante seu livre-arbítrio, voltar as costas para Deus e, como resultado disso, perder a salvação. Note: O problema com o adepto da teoria do “livre-arbítrio” é que, antes de tudo, ele não entende como a pessoa é salva, muito menos o tópico da preservação ou perseverança. Ele imagina ser alvo da salvação condicional, orientada por obras do princípio ao fim.
O resultado da doutrina no livre-arbítrio é que o homem salva a si mesmo, e por isso ele tem do que se gloriar. Afinal, Cristo morreu, mas se ele não tivesse usado o livre-arbítrio essa morte teria sido ineficaz; assim pela doutrina do livre-arbítrio Deus está limitado pela vontade do homem. Os adeptos desse mito pregam que Deus não pode (apesar de querer), fazer nada até que o homem escolha Cristo. Temos, portanto, um Deus completamente impotente e dependente do homem. Aliás, se o homem pode impedir Deus por meio de seu livre-arbítrio, então Deus não é soberano. Logo, essa doutrina é completamente antibíblica e tem por objetivo destronar Deus de seu soberano poder; esse sempre foi o plano de Lúcifer.
Mas quem prega essa doutrina não diz essas coisas, pois como vimos, se dissesse, essa doutrina, por ser na verdade uma ideologia, se quebraria por dentro. A doutrina do livre-arbítrio é um atitude de orgulho vão contra Deus; é o homem querendo suplantar Deus em Sua glória, isso é demoníaco. A glória é de Deus e ele não a dá a ninguém como é atestado em Isaias: “Eu sou o SENHOR, este é o meu nome; a minha glória, pois, não a darei a outrem, nem a minha honra, às imagens de escultura” (42:8). Na prática o livre-arbítrio é o homem escolhendo a si mesmo e se convidando para uma suposta salvação. Quem escolhe é Deus e o homem é completamente impotente diante dessa escolha: “porque Deus é quem efetua em vós tanto o querer como o realizar, segundo a sua boa vontade” (Fp 2:13). Não depende de o ímpio querer ser salvo, se Deus o escolheu para vaso de honra, de acordo com Romanos capítulo 9, ele será eficazmente atraído a Cristo pelo Espírito Santo. O homem não pode fazer nada enquanto a sua salvação, pois ela é integralmente obra de Deus.
Todavia, o que incomoda muitos dos adeptos do livre-arbítrio é o fato de homem ficar parecendo um robô se o livre-arbítrio é falso. De fato, o homem, em seu estado não-regenerado é totalmente escravo do pecado e de Satanás, se você preferir, ele é um robô, completamente controlado por seu senhor: o pecado e Satanás. A Bíblia apresenta o homem não-regenerado como morto por suas transgressões: “E a vós outros, que estáveis mortos pelas vossas transgressões e pela incircuncisão da vossa carne (...)” (Cl 2:13; cf. Ef 2:1). E quem tira o homem desse estado de morte é Deus: [ele] vos deu vida juntamente com ele, perdoando todos os nossos delitos (Cl 2:13). Perceba que Colossenses e Efésios apresentam o homem como sujeito paciente (quem sofre a ação) do agente da passiva (quem pratica a ação: Deus). Assim, o homem morto recebe a ação vivificadora da parte de Deus, sendo completamente paciente nesse processo, ou seja, ele não se escolhe para a salvação é Deus quem o escolhe e toma a iniciativa de o fazer, pois ele morto é incapaz de qualquer escolha salvífica.
Vimos acima que o homem não-regenerado é escravo, e como consequência sua vontade também o é, pois aquele que é vencido fica escravo do vencedor, o pecado ou a corrupção no caso (2 Pe 2:19). Assim, se o homem vencido pelo pecado fica escravo deste, logo sua ação só se inclina para o pecado, ele passa a servi-lo compulsoriamente, é incapaz de se libertar do grilhões que o prendem e não pode agir de modo aceitável a Deus, porque Satanás, senhor do pecado, o arrasta na direção contrária. Então, o homem caído está completamente impossibilitado de se salvar ou tomar qualquer atitude que o leve a isso, até que um agente externo e completamente livre, Deus, age sobre ele resgatando-o desse estado de miséria e escravidão; a salvação está, pois, condicionada ao querer de Deus e não ao do homem: o homem é sujeito paciente na obra da salvação (Fp 2:13).
Portanto, partindo de uma perspectiva bíblica quanto a salvação, a doutrina do livre-arbítrio não é nada além de ideologia, conforme definida acima; é criação do coração depravado do homem inspirado pelo pai da mentira; é pelagianismo. O homem quando caiu de seu estado de graça perdeu a capacidade de se inclinar, por si mesmo, para Deus, como afirmou Agostinho, ele perdeu seu livre-arbítrio; passou a ser escravo do pecado e a ter sua vontade cativa ao pecado e a Satanás — o vencido se tornou escravo do vencedor (2 Pe 2:19). Até que o Espírito Santo aja sobre sua vida regenerando-o, o homem é cativo, é escravo do pecado, e também o é sua vontade, que se inclina, impreterivelmente, a tudo que é contrário a Deus e a salvação. O livre-arbítrio pressupõe que o homem esteja em estado de perfeição, o que não é mais o caso. Portanto, ele não existe.
Não podemos confundir livre-arbítrio com livre-agência, esta é a capacidade do homem refletir seu coração em tudo o que faz, como escreveu o Rev. Jair de Almeida Junior, sendo plenamente responsável; aquele é a capacidade do homem se inclinar tanto para o bem quanto para o mal igualmente, como era Adão antes de cair. Livre-arbítrio é capacidade de o homem manifestar perfeição moral em cada um dos seus atos, livre da contaminação do pecado. Assim, o homem tem livre-agência, mas não tem livre-arbítrio, pois ele o perdeu na Queda. Não confundamos as coisas. Afirmar a doutrina do livre-arbítrio no atual estado do homem é mascarar a realidade, portanto uma ideologia.
Bibliografia
O que é idologia? - Marilena Chauí
Nascido Escravo - Martinho Lutero
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Estimado, é equivocada sua argumentação de "que o homem salva a si mesmo" na questão do livre-arbítrio.
ResponderExcluirEu só gostaria que você me respondesse algumas perguntas?
No dia do juízo, o que Deus vai falar para as pessoas salvas? Vocês estão aqui porque eu decidi que vocês cressem. É isso? E o que Ele vai dizer para as pessoas que vão ser condenadas? Vocês vão para o inferno porque eu não quis que cressem. É isso?
Eu sou batista e os batistas creem na competência do indivíduo, ou seja, quando ele é confrontado com o Evangelho ele é apto para crer. Deus não crê pelo indivíduo. Deus apenas o estimula, constrange a crer. E esse crer é na graça redentora de Jesus e isso não é mérito, pois ele não crê em si mesmo, mas no que Cristo fez por ele. Isso está claro em Efésios 2.8,9.
Os luteranos creem que o ser humano é passivo na questão da fé, por isso conseguem introduzir o "batismo" de crianças.
Essa ideia da passividade e´falaciosa, pois o ser humano é alguém responsável. Veja o texto áureo da Bíblia: "Porque Deus amou o mundo de tal maneira, que deu seu Filho Unigênito, para que todo o que nele crê, não pereça, mas tenha a vida eterna". Veja a parte "para que todo o que nele crê", pois nela podemos ver que a responsabilidade da fé é do homem e não de Deus.
Se fosse da responsabilidade de Deus, a redação teria que ser outra e nem combinaria. Veja: "Deus amou o mundo de tal maneira, que deu seu Filho Unigênito, mas leva apenas alguns a crerem, para que esses tenham a vida eterna". Isso está escrito no seu "Evangelium".
Observe: Deus amou a todos e quer todos creiam. Deus cumpriu a parte dele, que foi de amar, enviar Jesus, providenciar salvação; agora, crer nisso, aceitar isso, é do homem. Veja: 2Pedro 3.9; Atos 17.32-34; 18.5-8; 28.23,24.
A fato de Deus "desejar" que todos "sejam salvos" significa que se fosse privilégio Dele levar as pessoas à fé, não haveria nenhum incrédulo, mas pelo fato de ser escolha do ser humano, há tantos incrédulos.
Sugiro-lhe uma consulta sobre Livre-Arbítrio e Soberania Divina ... á um Vídeo no Youtube do Pr. Augusto Nicodemus Lopes ... embora seja um Calvinista ... foi a Explicação mais Plausível sobre o assunto que eu encontrei... pois a maioria dos pensadores Cristãos .... ao definir os termos... ou anulam a Soberania de Deus ... ou negam a Responsabilidade humana.... o que no Contexto Bíblico estão Equivocados
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