Capítulo 2
Caim mata seu irmão Abel, Deus o expulsa.
Sua posteridade é tão má quanto ele. Virtudes de Sete, outro filho de Adão.
6. Gênesis 4. Adão e Eva tiveram dois filhos
e três filhas. O primeiro chamava-se Caim, que significa "aquisição",
e o segundo, Abel, que quer dizer "aflição". Os dois eram de
temperamentos completamente opostos. Abel, que era pastor de rebanhos, era
mais justo. Considerava que Deus se fazia presente em todas as suas ações e só
pensava em agradar-lhe. Caim, ao contrário, que por primeiro trabalhou a terra,
era muito mau. Buscava apenas proveito próprio. A sua horrível impiedade
levou-o ao excesso de furor, a ponto de matar o próprio irmão. Eis a causa
disso:
Ambos resolveram oferecer um sacrifício a
Deus, Caim, dos frutos de seu trabalho, e Abel, do leite e das primícias de seu
rebanho. Deus demonstrou aceitar melhor o sacrifício de Abel, que era produção
livre da natureza, do que a oferta que a avareza de Caim dela havia tirado
quase à força. O orgulho de Caim não pôde tolerar que Deus tivesse preferido o
irmão a ele: matou-o e escondeu o corpo, esperando que assim ninguém tivesse
ciência de seu crime. Deus, porém, a cujos olhos nada há de oculto, perguntou-lhe
onde estava o irmão, que não via há vários dias, pois antes eles estavam sempre
juntos. Caim, não sabendo o que responder, disse primeiro que se admirava de
também não o ter visto mais. Todavia, como Deus insistisse, respondeu-lhe
insolentemente que não era nem senhor nem guarda do irmão e que não se havia
encarregado de cuidar daquilo que não lhe dizia respeito. Deus então lhe
perguntou como se atrevia a afirmar nada saber do que acontecera ao irmão, se
ele mesmo o havia matado. E, se Caim não tivesse oferecido imediatamente um
sacrifício para acalmar-lhe a cólera, teria recebido naquele mesmo instante o
castigo que o seu crime bem merecia. Deus, no entanto, amaldiçoou-o, ameaçou
castigar os seus descendentes até a sétima geração e expulsou-o. Porém, como
Caim temesse que, andando errante, animais ferozes o devorassem Deus o
tranqüilizou contra esse temor. Deu-lhe um sinal, com o qual podia ser
reconhecido, e ordenou-lhe que se fosse.
7. Depois de haver atravessado diversos
países, Caim estabeleceu residência em um lugar chamado Node, onde teve vários
filhos. No entanto o castigo, em vez de torná-lo melhor, fê-lo, ao contrário,
muito pior. Abandonou-se a toda sorte de prazeres e até usou de violência,
apoderando-se de bens alheios para enriquecer-se. Reuniu homens maus e
celerados, dos quais se tornou o chefe, e ensinou-os a cometer toda espécie de
crimes e de ações ímpias. Mudou a inocente maneira de viver que adotara no
princípio, inventou os pesos e as medidas e substituiu a franqueza e a sinceridade,
tão mais louváveis e simples, pela astúcia e pelo engano. Ele foi o primeiro a
estabelecer limites para a divisão de propriedades e construiu uma cidade.
Chamou-a Enoque, nome de seu filho mais velho, rodeou-a de muralhas e a povoou.
Enoque teve por filho Irade, Irade gerou
Meujael, Meujael a Metusalém e Metusalém a Lameque. Lameque teve setenta filhos
de suas duas esposas, Zilá e Ada, um dos quais, de nome Jabal, filho de Ada,
foi o primeiro a morar embaixo de tendas e de pavilhões, levando uma vida de
simples pastor. Jubal, seu irmão, inventou a música, o saltério e a harpa.
Tubalcaim, filho de Zilá, sobrepujava a todos os outros em coragem e força, e
foi grande comandante. Nesse entretempo, enriqueceu e serviu-se de suas
riquezas para viver ainda mais suntuosamente do que até então. Ele inventou a
arte de forjar e teve apenas uma filha, de nome Naamá. Como Lameque era muito
instruído nas coisas divinas, julgou facilmente que sofreria a pena do
assassínio de Caim, na pessoa de Abel, e disse-o às suas duas mulheres.
Eis como a posteridade de Caim chafurdou-se
em toda espécie de crimes. Não se contentaram em imitar os de seus pais, mas
inventaram outros. Entre eles, havia assassínios e latrocínios, e os que não
mergulhavam as mãos em sangue estavam cheios de orgulho e de avareza.
8. Adão ainda vivia e tinha cento e trinta
anos. A morte de Abel e a fuga de Caim fizeram-no desejar ardentemente outros
filhos. E teve mesmo vários: depois de viver ainda oitocentos anos, morreu na
idade de novecentos e trinta anos.
9. Seria demasiado longo discorrer sobre
todos os filhos de Adão. Contentar-me-ei em dizer algo de um deles, de nome
Sete. Educado junto de seu pai, deu-se com afeto à virtude. Deixou filhos
semelhantes a ele, que permaneceram em sua terra, onde viveram felizes e em
perfeita união. Deve-se ao seu espírito e ao seu trabalho a ciência dos astros.
Como os seus filhos haviam sido informados por Adão que o mundo pereceria pela
água e pelo fogo, o medo de que essa ciência se perdesse antes que os homens a
aprendessem levou-os a construir duas colunas, uma de tijolos e outra de
pedras, e sobre elas gravaram os conhecimentos que possuíam. Se um dilúvio
destruísse a coluna de tijolos, ficaria a de pedras, para conservar à posteridade
a memória daquilo que haviam escrito. A previdência deles deu bom resultado, e
afirma-se que a coluna de pedras pode ser vista ainda hoje, na Síria.
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