Por uma dessas contigências da vida, passei o final da tarde dessa sexta numa pracinha.
Meio sem ter o que fazer, tinha que esperar a hora passar...sentei-me num banco e fiquei observando o movimento a minha volta. Era uma bela praça, muito bem conservada e com pouco movimento, não obstante ser passagem de trabalhadores em final de expediente.
A poucos metros da lateral do banco em que estava, havia uma capelinha em tijolos aparente rodeada de vasos com flores e variados tipos de plantas. Imitava uma pequena catedral. No pináculo havia uma cruz vazia e no interior da capelinha, protegida por paredes de vidro , jazia a imagem da padroeira do Brasil.
Não é o tipo de cena que costuma compor o filme da minha vida. Já me incomodou muito, admito. Hoje não mais, ao contrário, procuro ver além das aparências e eventualmente sou brindado com grandes ensinamentos por proceder assim...e desta vez não foi diferente.
Não demorou para uma outra "imagem" roubar minha atenção.
Um senhor bastante humilde, aparentando uma certa idade montado numa bicicleta igualmente velha, abarrotada de quinquilharias, passou por mim e se deteve em frente a capela. Ali, sem fazer conta do casal que namorava num banco a sua frente poucos metros, prestou sua homenagem a santa.
Observando-o, fiquei imaginando o teor de suas súplicas. Que motivo o levaria a desviar de seu caminho habitual até aquele local sagrado, objeto de sua fé?
Uma região geográfica determinada como espaço cúltico não é invenção recente, aliás era um dos elementos de discórdia entre judeus que adoravam em Jerusalém, e samaritanos que preferiam o Monte Gerizim.
Por um momento aquela cena, além de me constranger, me diminiu. Percebi que minha devoção não se elevava a altura daquele homem. Vou na igreja em dias próprios, mas isso já faz parte da minha rotina. Não me é comum desviar do caminho habitual no dia a dia e me por a cultuar, por alguns instantes que seja. Meu culto pessoal geralmente é metódico e dificilmente se interpõe entre outros compromissos. Ou é de manhã bem cedo ou de noite bem tarde.
A fé daquele homem mexeu comigo. No caminho de casa, converteu aquela praça em seu santuário particular, alheio a tudo que se passava em volta. Nos poucos minutos que ali esteve sequestrou minha atenção e, como resgate, exigiu-me reflexão em profundidade quanto a qualidade de minha devoção.
Mas ainda tinha o que aprender sobre isso...
Eis que lá adiante vinham duas senhoras amparadas uma na outra. Seus semblantes destilavam serenidade e paz. Uma era mais idosa que a outra. Fiquei arrazoando se seriam irmãs, mãe e filha ou simplesmente amigas. Elas cruzaram a praça conversando, como se ha muito não se vissem, e entraram numa casa logo a frente.
Em poucos instantes as vejo retornando, agora com sacolas plásticas destas de mercado e uma vassoura de piaçava. Entram no cercado da capelinha e passam a faxinar o local.
Como conversavam aquelas duas senhoras!
Falam amigavelmente e amavelmente uma com a outra, enquanto podam rosas e recolhem folhas secas. Era nítida a alegria com que prestavam aquele serviço voluntário. Projetei-me no tempo num devaneio relâmpago e tentei ver-me na velhice...exercício vão...mas quando ela chegar, quero ser sereno assim, pensei.
Dado o serviço por concluído, como num movimento combinado, ambas silenciam e se voltam para a imagem além do vidro, sempre amparadas uma na outra...
devoção...
Nesse instante minha mente é de novo sequestrada, só que o resgate exigido é mais que reflexão. Me é requerido uma atitude.
Meus olhos umedecem e a lágrima escorre suave e fresca. A mensagem é clara como água pura e cristalina.
No protestantismo evangélico sou ensinado a crer num Deus invisível. Essa interação entre o visível e o invisível, entre o finito e o infinito requer o empenho de uma fé autêntica, de uma fé devota, por assim dizer. Não tenho uma imagem mediadora no interior de uma capelinha cercada de flores para cuidar e tornar tangível essa relação com o divino. Isso faz com que minha relação com Deus seja muita mais na base do receber do que de oferecer.
"Que darei eu a o Senhor por todos os benefícios que me tem feito?" Pergunta o salmista.
Como demonstrar ao Senhor minha gratidão de forma concreta e devota como aquelas senhoras ao objeto de sua fé?
A resposta eu encontrei em duas fontes que se complementam, no Evangelho e nas próprias senhoras que o vivenciam.
"Sempre que fizestes o bem a um destes pequeninos, a mim o fizeste", ensinou Jesus.
Após seu momento de prece elas saem do cercadinho da capela, ainda de braços dados, depositam as sacolas com lixo num cantinho e seguem de novo para a casa lá adiante. Meus olhos insistem em acompanhá-las.
Em questão de segundos vejo voltar apenas uma delas, a senhora mais nova. Ela pega as sacolas com lixo, a vassoura e com um aceno de cabeça passa por mim e esboça um sorriso contido, que é imediatamente retribuído desproporcionalmente ansioso.
Puz-me a refletir que a real devoção daquelas senhoras se manifestou no cuidado que tinham uma pela outra. A essa altura já sabia pela forma de tratamento que se dispensavam, não serem aparentadas, mas simplesmente amigas.
"Há amigo mais chegado que um irmão".
Não é assim que diz o provérbio?
O que o pregador apreendeu enquanto refletia naquela praça, tem a ver com o valor das pessoas.
Talvez não veja mais o homem da bicicleta e nem as duas simpáticas velhinhas, mas o que aquele encontro casual me proporcionou em termos de aprendizado é que...
... na expontaneidade em buscar a Deus e no exercício do amor, que se revela no cuidado com o próximo, reside a verdadeira devoção.
Marcello di Paola
Fonte: http://devaneiosdopregador.blogspot.com.br/2009/10/reflexoes-numa-praca-qualquer.html
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