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segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

O problema do mal no relato da criação





O relato da criação NÃO é um relato histórico, é um relato sapiencial. Seria competamente inútil procurar a "árvore da ciência do bem e do mal" nos manuais de botânica. Trata-se claramente de um termo simbólico, como o são os demais termos que aparecem no relato: a felicidade, o pecado, a morte... São todos esses temas de reflexão da sabedoria oriental. 


Que ninguém estranhe o fato da narração bíblica não considerar a evolução das espécies nem o poligenismo. Os primeiros capítulos do Genesis são o registro de uma tradição espiritual, os ensinamentos ali não são históricos, são espirituais. Nenhum daqueles homens tinha nenhum conhecimento desses assuntos científicos modernos. Tampouco cabe pensar que estamos diante de um relato para mentes primitivas escrito por um autor "mais bem informado" do que seus contemporâneos, por ter tido uma visão milagrosa do que acontecera. Não tem o menor sentido esperar que os autores bíblicos resolvam problemas científicos da nossa época, como os assuntos referentes a origem da humanidade, que era totalmente desconhecidos para eles. 


O que podemos procurar, em contrapartida, nos relatos bíblicos da criação, são ensinamentos sobre problemas comuns tanto para eles quanto para nós, porque assim, em vez de levarmos o texto ao ridículo, e ao invés de destacar anacronismos nos textos, encontraremos a sua eterna modernidade. 


Por que existe o mal no mundo? O mal não foi criado nem por Deus, nem por um segundo princípio independente de Deus, mas foi introduzido no mundo pelo próprio homem ao abusar da liberdade que Deus lhe deu. Mas o autor bíblico não se expressava em termos abstratos, ele pertencia a uma cultura narrativa (por isso mesmo que Jesus, que pertencia a mesma cultura, se expressava através de parábolas). 


Os escritores biblicos não inventavam as narrações que iam empregar para se expressar, mas colecionavam seu material a partir das tradicoes populares de Israel, que por sua vez tiveram contato com os povos vizinhos. Por exemplo, o mito babilônico da criação contava que o deus Ea criou o bem e o mal. Ea também criou o homem com barro, mas nele pôs tendências más ao misturar o barro com o sangue de Kingu, um deus caído. ("O poema babilonico de la creacion", em "La sabiduria del antigo Oriente", J.B.Pritchard) Israel pode ter se apropriado desse tipo de relato para narrar uma criação em sete dias. Para deixar claro que existe um só princípio, Deus aparece criando tudo, inclusive sol e lua, que em muitos povos são considerados deuses. Para dizer que Deus não criou o mal, cada dia da criaçãos e conclui com "Deus viu que isso era bom". Depois só faltava acrescentar a narração do pecado de Adão e Eva. 


Para os literalistas, esse tipo de leitura é inconcebível. Eles preferem se exercitar em explicações fantásticas, negando a existência dos dinossauros, ou atribuindo-os a mutações genéticas causadas por Satanás. (Pasmem! Já ouvi isso sim!) O dilúvio teria sido mesmo causado por um volume absurdo de água que apareceu e desapareceu fantasticamente. O sol parou no céu, a ninguém foi arremessado no vácuo espacial pela inércia, nem houve desacerto nenhum nos sistemas astronômicos. E assim por diante. A explicação para tudo? Que para Deus tudo é possível. Mas uma outra explicação talvez fosse que, para evitar ter que mudar de opinião, qq ginástica mental é possível.

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